sábado, 17 de abril de 2010

CARTA DE UM ENGANADO


CARTA DE UM ENGANADO
*Por Aldemir Bentes de Maués

O agricultor Oirato Atseb, a esposa Airato Atseb e os filhos Adner de 9 anos e a menina Ãdadic de 6 anos, sempre sobreviveram com dificuldades. Em sua pequena propriedade no interior de Maués, plantavam pequenas culturas como a mandioca, o cará, a macaxeira, a laranja e dois quadros de guaraná, o suficiente para seu sustento e de seus dois filhos. A pesca e a caça eram outras atividades que complementavam o sustento da família. A produção era pouca, mas dava para eles levarem a vida sem passar fome.
A noite sempre que o casal conversava, faziam planos e traçavam metas, objetivando o futuro dos filhos “não queremos que nossos filhos tenham o mesmo destino que nós” concordavam. Temos que conseguir uma casa na cidade e então, levaremos nossos filhos para estudarem afim de que um dia possam ser alguma coisa na vida, um médico, um professor, quem sabe nossa filha não seja uma doutora? Previa o pai entusiasmado. Se conseguirmos, minha velha, você vai com as crianças e eu fico aqui trabalhando para garantir o sustendo de vocês na cidade. Ambos não eram alfabetizados, mas liam alguma coisa de forma pausada e soletrando, assim, conseguiam entender alguma coisa escrita. Com sacrifício, da venda do guaraná da safra passada, conseguiram comprar um radinho de pilha na lojinha do Peruano para ouvir o Edson Simões e as notícias da cidade. O rádio era o maior bem da família, pois através dele ele sabia o que estava acontecendo na cidade e até comentava com outros vizinhos.
As suas esperanças, os seus objetivos, pareciam que todos seriam realizados, a mudança para a cidade, os filhos na escola, satisfação geral. Até que um dia, por curiosidade, ele mexendo na sintonia do seu radinho, no horário de meio-dia, sintonizou uma outra rádio diferente da do Edson Simões, foi aí que começou a sua DESGRAÇA.
No rádio, uma voz fanfarrona anunciava notícias da cidade. Todas elas faziam apologia a grande administração que acontecia no município de Maués. As informações eram de que Maués se transformou em um canteiro de obras e que estava até faltando trabalhadores. Dizia que o Bolsa família tinha mais de 4 mil famílias cadastradas, que o esgotamento sanitário seria inaugurado, que o novo bairro também, que o programa Leve Leite estava funcionando plenamente e que muitas famílias, mais de 03 mil, recebiam R$ 50,00 (cinquenta reais) por mês, isso sem precisar fazer nada. Além dessas obras, o radialista fanfarrão e arrogante, ainda colocava no ar o depoimento de uma pessoa que reforçava suas afirmações, uma dessas declarações o já contaminado Oirato Atseb até decorou “pessoas que se dizem filhos de Maués, mas que são mal informadas, não entendem e ficam falando besteira, eu vou continuar a trabalhar pelo povo, DOA a QUEM Doer” – Foi a gota d’água. O pobre homem endoidou. Parou de trabalhar no roçado, não pescava mais, o horário de meio dia tornou-se sagrado, em suas conversas ele só comentava o que ouvia no rádio. Nem os comentários do Edson Simões ele não mais acreditava e passou a falar para sua mulher que “chegou a hora de realizar os nossos sonhos”. Vou para Maués mulher, vou trabalhar e juntar dinheiro e depois tu vai com as crianças.
Pela manhã ele ouvia o Cascais, mas ao meio-dia era o tal jornal do fanfarrão e ele até aplaudia quando o radialista fanfarrão chamava as pessoas de idiotas, imbecís, pseudos, apesar de não saber o significado real da palavra, mas achava bonito – P S E U D O. Deve ser algum elogio, imaginava ele. Já dominado em seu cérebro pela ideologia do rádio, o pobre agricultor deixou a família e rumou para Maués. No dia da partida ele confidenciou a sua mulher “minha velha, vou conseguir uma casa no novo bairro, vou trabalhar no esgotamento sanitário, vou me cadastrar no renda cidadã e ai eu recebo R$ 50,00 por mês, mais o que eu ganhar trabalhando, já que não vou pagar aluguel, logo estarei mandando buscar vocês e assim, realizaremos nossos sonhos, o leite está garantido, pois o homem do rádio diz que está funcionando” com um sorriso pálido e as lágrimas descendo o rosto o homem ruma para Maués, trazendo na mente uma esperança que não era só sua, mas de uma família sonhadora.
Depois de um mês na cidade o pobre homem se sentiu enganado e traído, pois a realidade da cidade era outra. Procurou o canteiro de obras do esgotamento sanitário, mas ninguém sabia informá-lo de como chegar lá. Foi então que ele lembrou de outra obra que o homem do rádio falava, o aterro sanitário. Indagou, indagou e até que enfim alguém disse onde ficava, na estrada do Bacabal. O homem foi até lá. Chegando, outra decepção, só havia mato, um monte de areia, uma casa de alvenaria ainda não acabada e um esqueleto de uma armação de casa erguida em madeira, além de uma enorme placa que o homem tentou ler, mas não conseguiu entender.
Voltou mas não desistiu. Procurou a Assistência Social do Município mas não conseguiu se cadastrar para receber os R$ 50 mangos, informaram que o Programa estava suspenso no momento. Perguntou pelo programa do leite e uma Senhora fez uma piada “ acabou meu filho, a vaca (mecânica) foi pro brejo”. Mesmo assim, não desistiu. Procurou a prefeitura para tentar falar com o “ome” que sempre falava no rádio que iria lutar pelo povo, doece a quem doece. Não obteve êxito, informaram a ele que o mesmo estava viajando, Manaus, Brasília e se desse tempo, retornaria a Maués, não para atender o povo e sim, para pilotar um avião que dá vôos razantes por sobre a ilha e o Rio Maués Açu.
Com os ânimos esgotados, ele procurou o Edson Simões, pois estava precisando mandar notícias para a família. Com a ajuda de uma pessoa que ele conheceu e onde estava morando, escreveu uma carta e levou ao Edson Simões, pedindo que ele lesse para sua família no horário do Cascais, pois tinha medo que em outro horário, ela estivesse ligada no tal jornal que disparafusou sua cabeça.

A carta relatava: “Minha velha, beijos nas crianças. Ao escrever esta, estou bem de saúde. fazendo alguns bicos limpando quintal, assim consigo um dinheirinho para comprar um peixe ou melancia que está de R$ 2,00 e R$ 3,00 na feira do produtor. Não consegui trabalho, as obras que o homem falava no rádio, procurei, mas todas estão paradas, as que estão funcionando, já estão ocupadas as vagas. O tal R$ 50,00 reais, me disseram que está suspenso e a casa do conjunto não mora ninguém, umas máquinas do governo do estado trabalhando “alisando” as ruas. Acho que não iremos conseguir colocar nossos filhos na escola. Me informaram que a escola Santina Prado não mais irá funcionar no seu antigo prédio e muitas crianças terão que procurar outras escolas, longe de suas casas, para continuar os estudos. Também me mostraram os locais do Leve Leite, estão todos abandonados e olha que cada um custou cerca de R$ 14.000,00, foi o que me disseram. Tentei falar com o “ome” que dizia que lutava pelo povo, doece a quem doece, lembra? Pois é minha velha, ele não pára aqui, vive viajando, acho que ele está realizando um sonho de criança, queria voar de avião, acho até que ele trabalha pro governador ou pro Presidente, pois ele só vive em Manaus ou em Brasília. Minha velha, não fique triste e nem com raiva de mim, fiz o que pude, mas não consegui realizar aquilo que conversamos. O “seu” Edson Simões, junto com alguns amigos dele, está conseguindo um rancho e dinheiro para eu voltar. Assim que ele me repassar, vou embora o mais rápido possível e nunca mais vou sintonizar naquele maldito jornal do radialista fanfarrão. Vamos é cuidar do nosso guranazal, o quilo estão pagando R$ 28,00.
Até breve minha Velha,

Oirato Atseb

TIRE SUAS CONCLUSÕES
Falta revisar.



*Aldemir Bentes é filho de Maués, Escritor, Formado em Letras pela UEA – Núcleo de MauésMaués, 02 e 03/01/2010 – das 21:30 às 00:43 h

Não jogue este texto na via pública, mantenha limpa a nossa cidade!

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