segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Autorretrato da Sociedade que Não Queremos: Itaguaí não é Aí.

Por Dalmo Ribeiro. Graduado em Línguas pela Universidade Estadual do Amazonas / Maués. Escreve mensalmente no Blog do Aldemir de Maués. 19.09.2011.

Acabo de ler o conto O alienista. Um conto de Machado de Assis, antologia organizada por Sônia Brayner, publicada em 1980, data especial, pois se trata do ano em que minha gentil mãe deu-me um facho de luz, naquela e hoje extinta maternidade. Machado parte do ponto de vista do cientificismo, uma vez que o bojo do determinismo já se desbotara ao longo de sua existência, dando lugar ao plasma da ciência.

É um conto muito interessante e útil para o perfil da sociedade em que vivemos e hoje. O tema é a loucura, a demência. O protagonista coloca os são da sociedade numa casa de loucos. É como se fosse o pan-óptico, que descrevera Foucalt em um de seus livros, onde fica vendo e analisando, como forma de estudo os membros daquela sociedade. Na visão de Machado, o autor, a ciência era a explicação para tudo.



Seu personagem principal é o médico, o Dr. Simão Bacamarte, que encarna o alienista, à época era o psiquiatra. Ele estuda a loucura, a demência. Lê vários livros, artigos científicos que encomenda do oriente, com o intuito de fazer medicina ali. O espaço, é óbvio, é o Rio de Janeiro, na cidade de Itaguaí.

O alienista cria uma casa, convencendo a câmara dos edis de que a cidade precisava cuidar de seus doentes, pois se temiam loucos pelas ruas. A casa ao qual ele criara chamava-se Casa Verde. Nela, eram recolhidos os membros da sociedade, que, na visão do médico estavam loucos. Ele ( o Dr.) não podia ver alguém ao alpendre ou à janela, absorto que logo cogitava uma forma de capturar sua presa, através de capangas que ele contratava. Segundo o conto, as presas não apresentavam nenhuma reação ante seu predador, que se apoiava nas correntes ideológicas da ciência. A ciência que fora criada para fazer o bem, servia, na mão do alienista, para menosprezar e diluir o caráter e as virtudes das pessoas de Itaguaí ( grifo nosso)! Se alguém caminhava pelas ruas fazendo cortesia uma às outras, ou se nas esquinas comentavam seus atos déspotas, ou sobre coisas corriqueiras, logo lhe chegavam os comentários aos ouvidos ( naquela época já tinha os lacaios) e a ordem, todos já devem, de antemão saber, era a reclusão à Casa Verde. Mandou recolher todas os influentes de Itaguaí. O padre Lopes, o orador que fizera a declamação em homenagem à sua consorte, o juiz-de-fora ( hoje juiz forense, aquele que trabalha no Fórum ), o barbeiro que fez um levante contra o alienista, mas que depois deixou a causa revolucionário não sei por quais circunstâncias ( imaginem: propina ou bens nas Colinas de Golã), a mulher do boticário, o qual era seu amigo e que vendia remédio falso, nem mesmo a sua consorte foi poupada, só porque no dia em que iam a uma festa, estava em dúvida sobre qual vestido usar no sarau. O alienista era organizado, tinha a classificação de cada espécie de maluco. Tinha a classe dos que gostavam de literatura, dos que gostavam de política, dos que gostavam de economia, dos que admiravam os astros celestes, enfim.

No entanto, não havia dementes em Itaguaí. Todos eram pessoas sãs. Ora, se todos são bons, por qual motivo o alienista insistia tão veementemente em julgar aqueles(as) inocentes?

Vou-lhes tentar explicar. Machado viveu o determinismo, ideologia que apregoava o que era pra ser, não abria espaço para mais nada; quando sai o determinismo e entra o cientificismo, Machado soube muito bem ( aliás, sabe) plasmar a sociedade de seu tempo, o Brasil do século 19. A base da ciência entrara de vez no mundo da literatura.

Ao final do conto, Machado faz seu personagem rever sua conduta como médico, nota-se nitidamente a ética imperativa do autor ( não confundir autor Machado, que cria o enredo com o narrador Bacamarte, que narra o enredo dentro da obra). Machado está completamente comprometido com as causas de seu tempo, com o uso inadequado da nova ciência que chegava para os desconhecidos, uma vez caindo em mãos erradas, uma tragédia já podia ser anunciada, como fez o nosso alienista, contudo, com puro zelo, Machado interveio naquilo que estava errado.

O alienista manda soltar todos os falsos loucos, e, de súbito, vem a conclusão de que era ele o errado. O louco, na verdade era ele. Ora, uma vez a Casa Verde encontrando-se só, sem pacientes, ele mesmo, o alienista se dá por substituto e logo entra na casa.

"Fechada a porta da Casa Verde, entregou-se ao estudo e à cura de si mesmo".

Portanto, outras interpretações cabem no ato da leitura. Os que lerem vão colher enésimas formas de se ver uma obra literária para fazer a analogia com aquilo que for compraz, seja na política, na economia, na relação em sociedade, na religião, na escola na praia, onde quer que estejamos!

A leitura machadiana é prazerosa, gostosa e não nos cansa nunca ( com o auxílio de um bom dicionário, pois sem ele Machado nos dá vários piparotes com seu hermetismo).

Deixo a visão que Drummond disse a respeito de Machado de Assis: "exercia a magia encantatória de suas variações sobre o tema predileto: a humanidade com seus vícios".

Machado, acima de tudo, é onisciente (sabe tudo), busca um ponto de vista que analisa os recantos da alma humana. Mudando de assunto, podemos fazer uma alusão literária machadiana com o atual cenário, por qual passa a cidade de Maués: O Sr. médico Dr. Simão Bacamarte, o alienista é o cacique administrativo ( é o executivo) da cidade e suas peripécias acontecem na Casa Verde ( a viúva) onde fica o centro da administração, o lugar onde reclusa seus mentecaptos, que são seus subalternos.

Não queremos o autorretrato da cidade de Itaguaí incorporado na cidade de Maués.

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