“Ninguém nasce odiando outra pessoa
pela cor de sua pele, por sua origem ou por sua religião. Para odiar, as
pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a
amar”
Nelson Mandela
No dia 09 de janeiro de 2003 o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 10.639 que altera a Lei
nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional, incluindo nesta,
mais três artigos que versam sobre a obrigatoriedade da inclusão do ensino da
História da África e da Cultura Afro-brasileira nos currículos dos
estabelecimentos públicos e particulares de ensino da Educação Básica. A lei
também acrescenta que o dia 20 de novembro (considerado dia da morte de Zumbi)
deverá ser incluído no calendário escolar como o dia nacional da consciência
negra, fato que já é comemorado em quase todo o país.
Mas por que existe a necessidade de
ter o dia da Consciência Negra? Para responder essa pergunta, mister se faz
recorrer a nossa História. Na versão de alguns, teve início com aventureiros e
navegadores portugueses que chegaram a uma terra da qual se consideraram
descobridores. Embora essa terra já tivesse ocupada e tivesse seus donos, os portugueses
anunciaram o seu descobrimento e dela tomaram posse, estendendo para além da
Europa seus domínios.
Uma terra tão extensa poderia
trazer-lhes grandes riquezas em termos de matérias-primas: minérios diversos,
essências vegetais, fauna e flora desconhecidas etc. Mandaram cartas ao Rei de
Portugal, relatando tudo que encontraram e viram. A natureza local, a terra, a
gente que acharam muito diferentes. Segundo alguns deles, essa gente, a quem
deram o nome coletivo de índios, era atrasada, andava nua, era canibal,
praticavam sacrifícios humanos, não tinha religião, adorava os espíritos da
natureza. Chegaram até a colocar em dúvida a natureza humana dos chamados
índios.
Saber se esses recém-descobertos, os
índios, eram bestas (animais, sem racionalidade e alma) ou seres humanos como
os europeus, tornou-se grande motivo de especulações religiosas e científicas
entre os séculos XV e XVII. Os estudiosos dessa época, grandes teólogos,
vasculharam as bíblias e escrituras sagradas em busca dos argumentos a partir
dos quais o papa Paulo III proclamou na bula Sublimis Deus que os índios também
eram descendentes de Adão e, consequentemente, filhos de Deus, ou seja, seres
humanos.
Mesmo tendo sido reconhecido a
natureza humana dos índios, outro problema se colocava: eram humanos, mas
diferentes dos europeus. Diferentes porque andavam nus, não cultuavam o mesmo
Deus cristão, comiam e bebiam coisas inusitadas, tinham outras formas de
organizações sociais e políticas, não tinham escrita, usavam técnicas variadas
para explorar a natureza, consideradas pelos portugueses como muito
rudimentares, entre outros aspectos. Somadas todas essas diferenças, eles foram
considerados como inferiores com relação aos europeus. Além dessas diferenças
que podemos resumir como diferenças culturais, pois vestimentas, religião,
culinária, dança música, ciência, tecnologia constituem-se como componentes da
cultura, havia outra diferença importante inscrita no corpo. A cor da pele e os
traços morfológicos (nariz, lábios, formato da cabeça, queixo, textura do
cabelo etc.) diferenciavam fisicamente índios e portugueses. Todas essas diferenças
físicas e culturais constituíam na visão dos “descobridores portugueses”, as
características fundamentais dos recém – descobertos, coletivamente denominados
índios.
Como os portugueses sabiam que era
impossível mudar as características físicas, começaram um processo de
aculturação, denominado de Missão civilizadora. Por trás deste belo discurso, a
verdadeira intenção era a dominação. Como os verdadeiros donos da terra,
acostumados a viverem das riquezas da natureza, imaginamos nosso belo país há
quinhentos anos, uma floresta intacta, boa água, rica fauna. Nossos irmãos
nativos de acordo com importantes historiadores iam para o trabalho ainda pela
madrugada e às dez horas da manhã já estavam de volta para viver a vida em
liberdade, cantando dançando aproveitando o resto do dia. Não existia na sua
cultura o fato de trabalhar para fazer excedente, a natureza lhes provia.
Dentro dessas condições, não havia a menor possibilidade de aproveitar a mão de
obra nativa. Foi então que não restando outra saída para os colonizadores
dominadores recorreram a um procedimento chamado escravidão. Assim, abriu-se o
caminho ao tráfico negreiro que trouxe ao Brasil milhões de africanos que aqui
foram escravizados para fornecer a força de trabalho necessária ao
desenvolvimento da colônia.
Seres livres em suas terras de
origem, aqui foram despojados de sua humanidade através de um estatuto que fez
deles apenas força animal de trabalho, coisas mercadorias ou objetos que podiam
ser comprados e vendidos, fontes de riqueza para os traficantes (vendedores) em
“máquinas animais” de trabalho para os compradores (senhores de engenhos). Foi
este regime escravista que fez do Brasil uma espécie de sociedade dividida e
organizada em duas partes desiguais (como uma sociedade de castas): uma parte
formada por homens livres que, por coincidência histórica é branca, e a outra
formada por homens e mulheres escravizados que também por coincidência
histórica, é negra.
O tráfico negreiro é considerado, por
sua amplitude e duração, como uma das maiores tragédias da história da
humanidade. Ele durou séculos e tirou da África Subsaariana, milhões de homens
e mulheres que foram arrancados de suas raízes e deportados para três
continentes: Ásia, Europa e América, da qual o Brasil faz parte, sendo
inclusive o último país do ocidente a abolir a escravidão em 1888. Quase quatro
séculos após o envadimento.
A escravidão de quase quatrocentos
anos, deixou sequelas irreparáveis para a sociedade brasileira, até porque por
ocasião da libertação, os negros foram libertos em condições deploráveis, sem
casa, sem comida e o pior de tudo sem instrução. Foram largados como objetos
obsoletos imprestáveis. Sem saber o que fazer, sem rumo para tomar, foram
buscar abrigos nos lugares que sobravam, os morros principalmente do Rio de
Janeiro, capital do país na época, são esses contingentes de marginalizados que
compuseram a paisagem dos despossuídos deste país.
De um tipo de relação social
totalmente desfavorável, hoje os dados estatísticos de nossa sociedade coloca
os negros e seus descendes em posição de inferioridade com relação à parte
branca deste país. E é como consequência disso que é comum infelizmente
manifestação de racismo, discriminação de toda ordem com nossos irmãos negros,
componente importante de nossa sociedade. O racismo é um componente, uma ação
resultante da aversão, por vezes de ódio, em relação a pessoas que possuem um
pertencimento racial observável por meio de sinais, tais como cor de pele, tipo
de cabelo, formato de olho etc. Ele é resultado da crença de que existem raças
ou tipos humanos superiores e inferiores, a qual se tenta impor como única e
verdadeira. Exemplo disso são as teorias raciais que serviram para justificar a
escravidão, a exclusão dos negros e a discriminação racial. Para os Pesquisadores
Edson Borges, Carlos Alberto Medeiros e Jaques D’ Adeski (2002) afirmam que o
Racismo é um comportamento social que está presente na história da humanidade e
que se expressa de duas formas interligadas: a individual e a institucional. Na
forma individual o racismo manifesta-se por meio de atos discriminatórios
cometidos por indivíduos, podendo atingir níveis extremos de violências, como
agressões, destruição de bens ou propriedades e assassinatos. Um exemplo bem
claro disso foi o regime Apartheid na África do Sul. No Brasil esse tipo de
racismo também existe, mas geralmente é camuflado pelos meios de comunicação de
massa e por alguns setores do Estado. A forma institucional do racismo, ainda
segundo esses autores, implica práticas discriminatórias sistemáticas fomentadas
pelo Estado ou com seu apoio indireto. Elas se manifestam sob a forma de
isolamento dos negros em determinados bairros, escola e empregos. Infelizmente
a história mostra muitos exemplos, como o que ocorreu na Alemanha nazista, Iugoslávia,
Ruanda entre outros países.
É importante ressaltar que os negros
não aceitaram passivamente a escravidão, embora livros e professores alienados
tentem fazer perceber ao contrário. Foram várias forma de resistência negra
durante o regime escravocrata. Insubmissão às regras do trabalho nas roças ou
plantações onde trabalhavam os movimentos espontâneos de ocupação das terras
disponíveis, revoltas, fugas, abandono das fazendas pelos escravos, assassinato
de senhores e de suas famílias, abortos, quilombos, organizações religiosas,
entre outras, foram algumas estratégias utilizadas pelos negros na sua luta
contra a escravidão. O quilombo dos palmares, talvez tenha sido o mais forte
foco de resistência. No início foram poucas pessoas, mas o número foi crescendo
até tornarem-se uma comunidade de 30 mil aquilombados, entre homens mulheres e
crianças. Os negros de Palmares estabeleceram o primeiro Estado livre nas
terras da América, um Estado africano pela forma como foi pensado e organizado,
tanto do ponto de vista político, quanto militar, sociocultural e econômico.
Liderado por Zumbi, na verdade foi fundado um verdadeiro país negro, dentro de
um país branco, é por isso que é muito justo que as organizações negras
existentes em nosso país reivindiquem o dia 20 de novembro como o dia da
Consciência negra.
Para mim particularmente o racismo é
um produto da ignorância do homem, do desaprimoramento do caráter, da
personalidade que não é capaz de refletir que todos os seres humanos têm as
mesmas necessidades básicas. Esse etnocentrismo de sentimento de superioridade
que uma cultura tem em relação às outras, nada mais é do que desumanização do
homem resultado de sistemas de organização que tem como metas o enriquecimento,
a ambição, isso leva a subjugação daqueles que tem na sua cultura uma forma de
viver simples e internalizada cultura da paz. Porque como canta o grande
representante do carimbó paraense Pinduca, o preto, o branco tudo acaba no
buraco ou em cinzas que desaparecerão com o tempo.
A nós brasileiros só resta uma
política de reparação para o componente negro de nossa população, algumas no
âmbito institucional são importantes, ações afirmativas que visam oferecer de
forma mais equânime as oportunidades aos negros, mestiços, os pobres de modo
geral, como a política de cotas para o ingresso na universidade, o ProUni e
outras medidas nesse sentido. A raça negra contribuiu muito para a formação
antropológica de nosso povo, para o enriquecimento da cultura do país. Na
música, dança, nas artes plásticas, culinária, religiosidade, no nosso
vernáculo, enfim, nas mais diversas manifestações culturais têm a contribuição
do negro. Como é bonita a cor negra, principalmente das nossas morenas, que
embelezam as paisagens desse imenso país miscigenado.
REFERÊNCIA
MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma
Lino. O Negro no Brasil de Hoje, Global - São Paulo, 2006.
Maués, 19 de novembro de 2015.
Professor Luizinho Aguiar - formado em Ciência Política pela Universidade do Estado do Amazonas-
UEA.
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