Artigo
Professora Lygia Magnani |
Professor Luizinho Aguiar - Escritor |
Quando se reside em uma cidade, com um pouco
mais de 50 mil habitantes, onde as relações sociais, ainda apresentam
características de laços comunitários, pelo fato da maioria das pessoas se
conhecerem, sobretudo na zona urbana, é fácil detectar entre os habitantes
aqueles que, de alguma forma se destacam em suas profissões. No aspecto
educacional, sem dúvida a Professora Lygia Magnani, acredito eu, ser
unanimidade na Terra do Guaraná, e no último século o expoente maior do ensino
em nossa cidade, até porque, poucos professores conseguem por mais de seis
décadas labutar na profissão que considero a mais importante de todas. A
história de vida de nossa mestra se confunde com a própria história da educação
formal do município de Maués.
Professora Lygia nasceu em Maués em 1929,
nessa ocasião nosso país era governado por Washington Luis, proveniente da Velha
República, da qual as oligarquias cafeeiras eram donas do poder. Filha de
italianos que vieram para cá na década de 1920, persuadidos pelo comerciante
amigo da família José Faraco. Nesse tempo nossa cidade possuía duas ruas a Dr.
Pereira Barreto, chamada de rua da frente e a atual Floriano Peixoto, que os
moradores da época apelidavam de rua de trás. Existia também o atual bairro
Ramalho Júnior, a famosa Aldeia. Como ainda não existia a ponte, para chegar ao
bairro só de canoa, meio de transporte mais utilizado na época. Já existia
também a atual Praça Coronel João Verçosa que nos primórdios de nossa história
fora cemitério dos índios.
Aos doze anos Professora Lygia fora estudar na
capital do Estado, no famoso colégio Dorotéia, ainda hoje existe esta escola,
naquele tempo só recebia meninas, atualmente já aceitam também alunos do sexo
masculino. Nessa escola, concluiu o antigo ginásio, atual ensino fundamental e
o Pedagógico ou Normal, que até ser extinto há poucos anos era denominado de
Magistério, após concluir o ensino médio foi estudar na Faculdade do Rio de
janeiro no Município de Parintins. Nosso
paradigma do ato de ensinar, para minha surpresa, o magistério não era sua
primeira opção profissional, na verdade Lygia Magnani queria mesmo era ser
médica, mas pela força patriarcal características daqueles tempos, seu pai foi
logo dissuadindo de seu sonho disse ele “a Medicina é para homem, mulher tem
que ser professora”, resignada, obediente como era os filhos de outrora,
prontamente aceitou o desígnio do pai. Certamente perdemos uma boa médica e
ganhamos uma excelente professora. Começou sua trajetória como mestra na Escola
Santina Felizola a única da cidade, fundada através do decreto Lei nº 07 de 18
de junho de 1947, no governo do Sr Leopodo Amorim da Silva Neves, na gestão do
senhor prefeito Raimundo Gomes de Albuquerque, seu nome foi dado em homenagem à
primeira professora normalista de Maués, SANTINA DE ALBUQUERQE FILIZOLA, não
sei por que e ninguém soube me informar porque o nome da escola foi grafado Felizola,
ao invés de Filizola, como corretamente era seu sobrenome, depois de cinco
anos, em setembro de 1952, foi fundada a escola Estadual São Pedro, o segundo
educandário da cidade. Por perseguição política, ato corriqueiro da política
Maueense, prática essa que infelizmente ocorre até hoje. Foi transferida para o
município de Barreirinha e depois Manaus, onde lecionou no colégio de Freiras
São Luis de Gonzaga, localizado no bairro São Raimundo. Neste estabelecimento, logo
que chegou não fora bem aceita, por tratar-se de professora oriunda do
interior, pura demonstração de preconceito, fato que ainda ocorre, hoje com
menos frequência. Mas a ilustre filha da Terra do Guaraná, demonstrou na
prática, competência, dedicação, amor, predicativos essenciais para uma
professora. Reconhecendo seu talento, a Diretora do Educandário recomendou seu
método a todas outras professoras. Professora em sua gloriosa trajetória tem
muitas histórias para contar, sempre advogando as causas dos mais pobres,
especialmente quando percebia nos alunos o sacrifício, a vontade de aprender.
Eis algumas histórias que retratam essa atitude altruística. Ela tinha um aluno
chamado Osmar que anos depois se tornara importante funcionário público, pelo
fato do discente ajudar o pai a puxar água através de uma máquina apelidada de
“burrinho”, todos os dias chegava atrasado para as aulas, e a Diretora (hoje se
denomina Gestora), conservadora e insensível da realidade social dos alunos não
deixava nenhum aluno entrar na escola se estivesse atrasado com relação ao
horário estabelecido. Aí que entra o gesto nobre da educadora. Combinando com
aluno, este passava antes na escola e já deixava seus materiais, incluindo a
farda, ao voltar do trabalho o aluno ajudado pelos colegas pulava pela janela
para estudar, tudo com a complacência da educadora, sabia que estava agindo de
acordo com a sua consciência, jamais iria sacrificar um aluno pelo fato de
ajudar seu pai no trabalho, este aluno se tornou um dos melhores da classe e
bem sucedido na vida. Outra história interessante, por boa coincidência
aconteceu com meu irmão Francisco Sales Rodrigues Aguiar, aluno inteligente e
esforçado tinha todo o apoio da Professora. Nas férias Francisco ia para a zona
rural ajudar nosso pai no trabalho da roça e no corte de seringueiras. Surgiu o
concurso do BEA - Banco do Estado do Amazonas (extinto), porém as inscrições já
tinham encerradas, foi então que Professora Lygia, lembrou do pupilo promissor,
e usando de sua influência resultado de admirável trabalho, foi até o gerente
do Banco, Sr. Simão Barros e solicitou em caráter de exceção que fizesse a
inscrição do seu aluno, pela qual pagaria o valor da mesma. Ela conseguiu o
pleito e por carta mandou avisar Francisco que não a decepcionou, sendo
aprovado no concurso e assumindo o posto de trabalho na capital do Estado. Hoje
Chiquinho é aposentado como fiscal do INSS. Outro caso interessante, que vale a
pena relembrar é a respeito de um aluno Léo Sakiama, o japonês, menino
indisciplinado rebelde, que por muitas ocasiões sua genitora o amarrava no pé
da máquina de costurar, repetia sua rebeldia na sala de aula e a mãe já cansada
de seus atos repugnantes chegou com a professora e disse – eu vou tirar esse
menino da escola, foi então que Lygia assumiu a responsabilidade, e a mãe lhe
disse então se algo de ruim vier acontecer a culpa será sua professora. Ele não
só melhorou o comportamento, como se tornou um dos melhores alunos. Atualmente
é piloto da Marinha do Brasil, e em suas andanças por esse imenso país manda
postais dos lugares visitados, como prova de gratidão e admiração da professora
educadora, que pelo nobre gesto salvou-o de uma possível vida marginal. São
muitas histórias ao longo de mais de seis décadas dedicado ao magistério,
histórias que dignificam o ser humano e nos renova a esperança na humanidade.
Professora Lygia no início e no fim da
carreira no magistério trabalhou como voluntária, sempre socorrendo os mais
pobres. Quando percebia que seus alunos estavam com fraco desempenho, os levava
para sua casa para recuperar do malogro nas disciplinas, sem cobrar nada e no
final do ano estes alunos eram promovidos. Mas é nas últimas duas décadas que
nossa Educadora maior provou que seu trabalho rendeu frutos significantes para
a educação do município, do Estado e até mesmo a nível nacional. Em 1994, a
convite de seu ex-aluno e já pároco da cidade, Padre Dílson Brandão (já
falecido) praticamente o intimou para uma empreitada muito interessante,
coordenar os trabalhos educativos da Escola João Paulo II, de responsabilidade
da igreja católica. De início relutou, mas diante do apelo do clérigo cedeu e
começou o seu brilhante trabalho, a frente da escola, o êxito foi tão grande
que todos os pais queriam vagas para seus filhos, infelizmente a escola não
comportava a demanda, tanto é que, em 2011 a média da escola chegou a patamar
nunca alcançado por uma escola pública do Estado, 7,4 mensurado pelo IDEB – Índice
da Educação Básica, colocando a escola em patamares superior a muitas escolas
de países desenvolvidos, como por exemplo, a Coréia do Sul e entre os cinco
melhores do país. Considerando que o Brasil possui 5.565 municípios, no mínimo
é um feito espetacular. Isso levou a Escola São Pedro, da qual o João Paulo era
anexo a receber vários prêmios de reconhecimento. Perguntei para a secretária
da Escola qual o principal segredo do sucesso, ela disse são conjuntos de
fatores, mais o mais importante é a Filosofia de trabalho da professora Lygia,
que consiste basicamente em dois pilares. Só se promove aluno do ensino
fundamental se dominar bem a leitura, escrita e as quatro operações
matemáticas, o outro é o compromisso de ensinar com dedicação e amor,
sentimentos aceitos e internalizados nas ações da equipe de colaboradores da
escola, cuja, a principal meta é a aprendizagem dos alunos, não só das
disciplinas curriculares, mas, sobretudo, da formação ética e moral. Parece
óbvio, mas isso não se vê, pelo menos no mesmo patamar em outras escolas do
município.
A vida da Professora Lygia, dá um livro de grande
espessura, quem sabe um dia um de seus alunos poderá escrever, fatos existem em
abundância, em mais de 60 anos dedicados a educação. Hoje aos oitenta e seis
anos, ainda demonstrando lucidez, um olhar suave que nos deixa muito bem ao
ficar ao seu lado. Perguntei a ela qual seria a frase que resumiria sua
trajetória de educadora, e ela ficou pensando e disse talvez a frase de São
Paulo, “Combati o bom Combati” refletindo sobre isso acho que de certa forma,
contempla sim sua vida de dedicação à educação, principalmente dos mais pobres.
No final de minha rápida entrevista perguntei à entrevistada. O que é ser professora?
Ela, num gesto meigo, um sorriso contemplativo, olhar para o alto, como que de
súbito tivesse fazendo um balanço de sua vida, taxativa disse. “uma mãe que ama
seus filhos”. Professora Lygia não teve filhos consanguíneos mais ganhou
milhares de filhos no decorrer de sua vida, semeando sementes de sabedoria,
encaminhando os discentes para o caminho do bem, da dignidade. Para encerrar
minhas singelas palavras, quero dizer a nossa educadora maior que ela é como a
Nirvana que tem a paz e plenitude a evasão de si mesma, a realização da
sabedoria em prol dos outros, tens o espírito tomado por alguns dos melhores
sentimentos que a alma humana pode abrigar. Honesta e sincera possui a
humildade a virtude que mais aproxima do criador. Combateu sim o bom combate,
como fazem as pessoas que dignificam suas vidas, que produzem e fazem os outros
produzirem, que não se acomodam e aproveitam a oportunidade de ter nascido com
grandes potencialidades e estas sejam volvidas para a prática do bem, não
existe melhor maneira de agradecer a Deus pelo dom da vida, do que doar a vida
em prol dos irmãos. Muito obrigado por você existir professora.
Maués, 13 de novembro de 2015.
Professor Luizinho Aguiar
Sem dúvida um dos melhores artigos.
ResponderExcluirCom toda certeza, professora Lygia é uma das maiores responsáveis pela ótima educação em nossa cidade.